“A expectativa para a economia em 2024 é de desaceleração. Projetamos crescimento de 1,8% para o ano, podendo evoluir para 2%. Não se poderá contar com o excelente desempenho da agropecuária, que cresceu 15% em 2023. Neste ano, sob a influência negativa do El Niño, o setor deve crescer apenas 1%, não se descartando um resultado negativo depois das enchentes no Rio Grande do Sul.”

O comentário é do economista Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda, uma das grandes atrações do 91º Encontro da ABMI, que acontece de 20 a 23/8/24, no hotel InterContinental, em São Paulo (SP), num evento exclusivo para diretores e colaboradores de empresas associadas, mas aberto à mídia, mediante cadastramento junto à Assessoria de Imprensa.

No evento, que terá duas empresas paulistanas como anfitriãs – a Fernandez Mera Negócios Imobiliários e a Mirantte Soluções Imobiliárias, respectivamente, empresas da zona sul e da zona norte de São Paulo, Maílson deverá abordar questões relacionadas ao momento econômico nacional, em palestra com início previsto para as 15h10 do dia 22/8/24, quinta-feira.

Segundo Maíson, essa expectativa em relação ao crescimento tem a ver ainda com “problemas associados ao cenário global, que decorrerão da existência de duas guerras – Ucrânia e Israel –, do risco de uma ação inesperada – que seria a invasão de Taiwan pela China – e do prolongamento do prazo para que o banco central americano inicie o esperado ciclo de redução de sua taxa básica de juros”.

Em entrevista ao site da ABMI, Maílson da Nóbrega, falou sobre diversos aspectos da economia do país, destacando, no âmbito do mercado de imóveis, o sistema de crédito imobiliário desenvolvido no país.

Segundo ele, “o Brasil construiu, nos últimos 30 anos, um robusto sistema de crédito imobiliário, que tem permitido a concessão de empréstimos para compra da casa própria com prazos de 30 anos ou mais. No início dos anos 1990, o prazo máximo era de apenas 12 anos”.

Para Maíson, dois fatores explicam esse desempenho que ele classifica como “espetacular”.

“Primeiro, a vitória contra a inflação, consequência do Plano Real, pois o crédito imobiliário não viceja em ambiente de inflação sem controle. Segundo, a criação da alienação fiduciária de imóveis, que resolveu o problema do prazo de recuperação de crédito hipotecário, que pode levar dez anos ou mais no Brasil”, afirmou, elogiando posicionamento do Supremo Tribunal Federal em relação à retomada de imóveis por inadimplência.

“Felizmente, o STF negou provimento a recurso que defendia a intervenção do Judiciário na retomada de imóveis por inadimplência. Seria a volta das incertezas típicas do uso da hipoteca, o que poderia acarretar o colapso do crédito imobiliário”, concluiu.

Economista Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda, é palestrante no 91º Encontro da ABMI, em São Paulo

Ministro da Fazenda de 1988 a 1990, o economista Maílson da Nobrega tem seis livros publicados, é sócio da Tendências Consultoria e membro do conselho de administração de várias empresas do país. Atualmente, entre outras atividades, Maílson é colunista da revista Veja e mantém um blog na Veja online,

Confira a seguir a íntegra da entrevista concedida pelo ex-ministro ao site da ABMI.

 – De maneira geral e levando-se em conta as principais tendências mundiais, e o panorama atual no país, com eleições municipais à vista, contenção de gastos em função do ajuste fiscal, como o Sr. vê esse segundo semestre em termos econômicos, como deveremos fechar 2024?

A expectativa para a economia em 2024 é de desaceleração. Projetamos crescimento de 1,8% para o ano, podendo evoluir para 2%. Não se poderá contar com o excelente desempenho da agropecuária, que cresceu 15% em 2023. Neste ano, sob a influência negativa do El Niño, o setor deve crescer apenas 1%, não se descartando um resultado negativo depois das enchentes no Rio Grande do Sul. Tudo isso sem contar os problemas associados ao cenário global, que decorrerão da existência de duas guerras – Ucrânia e Israel –, do risco de uma ação inesperada – que seria a invasão de Taiwan pela China – e do prolongamento do prazo para que o banco central americano inicie o esperado ciclo de redução de sua taxa básica de juros.

– Como alguém que já passou pela experiência de ser ministro da Fazenda, como o Sr. analisa a política econômica do atual governo?

A política econômica veio melhor do que se esperava. Ela manteve de certa forma o teto de gastos, diferindo da norma anterior basicamente porque prevê um crescimento real anual máximo de 2,5% para a despesa e mínimo de 0,6%. Antes era zero. Não resolve, todavia, o problema da expansão crescente da relação entre a dívida pública e o PIB, que já está entre as mais altas entre os países emergentes. Isso dependerá de reformas para devolver a flexibilidade do Orçamento da União. Em 2024, as despesas primárias obrigatórias (Previdência, pessoal, educação, saúde, programas sociais e agora também os investimentos) corresponderão a 96% do total. A média mundial é de algo em torno de 50%. Esse é o nosso calcanhar de Aquiles, que revela uma situação fiscal insustentável. Sem resolver essa rigidez, o país tem um encontro marcado com uma séria crise. O arcabouço fiscal do ministro Fernando Haddad ficará inviável.

– Quais são os principais entraves ou desafios para que o Brasil deslanche em termos econômicos?

O Brasil padece de dois problemas básicos que travam o crescimento. O primeiro é situação fiscal periclitante a que me referi. O segundo é a baixíssima produtividade da economia. A queda da produtividade, como se sabe, é a causa mais importante da perda de dinamismo da economia nos últimos quarenta anos. Hoje, crescemos a um ritmo inferior ao dos países ricos, situação que não se verifica em nenhum de nossos pares relevantes no mundo emergente. O Brasil será condenado à mediocridade se esses desafios não forem superados. No campo fiscal, é preciso realizar complexas reformas que reduzam substancialmente a rigidez orçamentária, o que inclui decisões politicamente difíceis como a de eliminar a vinculação de receitas a despesas de educação e saúde, a desvinculação do salário-mínimo dos gastos previdenciários e uma nova reforma da Previdência. Na área da produtividade, dependemos de uma miríade de fatores, tais como melhoria da qualidade da educação, um sistema tributário minimamente racional (felizmente vamos avançar muito nessa área com a reforma tributária recentemente aprovada), um ambiente de negócios atrativo para o investimento privado, melhoria da operação da logística, entre outros. Felizmente, temos tempo para esperar pelas reformas, eis que o desempenho da agropecuária e da mineração, incluindo o petróleo, darão fôlego à atividade econômica nos próximos anos, enquanto a sólida situação do balanço de pagamentos minimiza o risco de fugas de capitais em caso de agravamento das atuais incertezas.

– A Câmara dos Deputados aprovou na noite de 10/7/24 o Projeto de Lei Complementar 68/24, do Poder Executivo, que regulamenta a reforma tributária. O texto, que não levou em conta diversos pleitos do setor imobiliário, que teme aumento de carga tributária venha a afetar a habitação, reduzindo o acesso à moradia dos mais necessitados. Como o Sr. analisa a reforma tributária que agora vai ao Senado? O que há de positivo nela e em que pontos poderia ser aprimorada?

O aspecto mais positivo da reforma será a ampliação do potencial de crescimento da economia. Estimativas otimistas dizem que esse potencial poderá crescer 20% nos próximos quinze anos. Outras apontam algo entre 10% e 12%. Em qualquer dos casos, será um resultado expressivo. Seus principais avanços serão a tributação no destino, a não-cumulatividade (fim da cobrança em cascata), regras uniformes em todo o território nacional (hoje temos 27 Estados e mais de 5 mil municípios ditando normas), a desoneração integral das exportações (hoje só uma parte) e, grande novidade positiva, a desoneração dos investimentos. A meu ver, a reforma é o avanço estrutural mais importante desde o fim do regime militar. Ela poderia ser melhor se não houvesse tantas exceções, pois elas introduzem complexidades que exigirão novas normas e gerarão ineficiências. O potencial de crescimento será menor do que se esperava. Não vejo chances de aprimoramentos relevantes quando da tramitação do projeto no Senado. Felizmente, o Congresso introduziu um dispositivo pelo qual serão obrigatórias revisões anuais do sistema de tributação do consumo, o que pode ser a oportunidade de realizar melhorias e avaliar a conveniência de manter exceções e privilégios contidos na reforma.

– Um dos indicadores importantes para mercado imobiliário são os juros. Como o Sr. vê o comportamento do Banco Central em relação à Selic?

Mudanças nas tendências da política monetária no Estados Unidos, incertezas no campo fiscal, a subida do dólar e um mercado de trabalho aquecido levaram o Banco Central a promover uma pausa no ciclo de queda da taxa Selic, que continuou em 10,5%. Tudo indica que esse nível permanecerá até os primeiros meses de 2025. No próximo ano, a Tendências espere que a taxa (Selic) involua para 9,5%.

– Países desenvolvidos apresentam um elevado percentual do crédito imobiliário em relação ao PIB. Como o Sr. analisa o mercado imobiliário do Brasil em relação a esse aspecto e em termos gerais?

O Brasil construiu, nos últimos 30 anos, um robusto sistema de crédito imobiliário, que tem permitido a concessão de empréstimos para compra da casa própria com prazos de 30 anos ou mais. No início dos anos 1990, o prazo máximo era de apenas 12 anos. Dois fatores explicam, a meu ver, esse desempenho espetacular. Primeiro, a vitória contra a inflação, consequência do Plano Real, pois o crédito imobiliário não viceja em ambiente de inflação sem controle. Segundo, a criação da alienação fiduciária de imóveis, que resolveu o problema do prazo de recuperação de crédito hipotecário, que pode levar dez anos ou mais no Brasil. Felizmente, o STF negou provimento a recurso que defendia a intervenção do Judiciário na retomada de imóveis por inadimplência. Seria a volta das incertezas típicas do uso da hipoteca, o que poderia acarretar o colapso do crédito imobiliário.

Apesar de alguns avanços ainda temos um déficit habitacional muito elevado. O que fazer para reduzir os indicadores atuais?

O déficit habitacional dificilmente será resolvido ou mesmo muito atenuado nos próximos anos. Isso dependerá da aceleração da taxa de crescimento da economia, da renda e do emprego, que são os motores que impulsionam a demanda por crédito imobiliário e para a realização do sonho da casa própria para a maioria da sociedade. Dependerá também da solução para o grave problema fiscal, o que liberaria espaço orçamentário para a expansão do financiamento habitacional em favor das classes menos favorecidas, nos moldes do programa Minha Casa Minha Vida.

Para ver todas as atrações do 91º Encontro da ABMI, basta acessar aqui.  

Comment (1)

  1. Emanuelly
    13 de agosto de 2024

    Muito boa entrevista. Esclarecedor
    Ansiosa para 91º encontro da ABMI

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