“As grandes cidades estão buscando requalificar seus centros, porque já entenderam o alto custo de uma cidade ‘espraiada’. Se a mancha urbana cresce territorialmente, é preciso crescer também a oferta de serviços e infraestrutura.”
A afirmação é da arquiteta e urbanista Fernanda Basques Moura Quintão, uma das atrações do 86º Encontro da ABMI, realizado de 16 a 18/8/23, em Belo Horizonte (MG), tendo como associada anfitriã a CéuLar Netimóveis.
“Retrofit e requalificação de áreas centrais como oportunidade de negócio” foi o título da apresentação de Fernanda, que, em meio à atuação em diversas entidades, além de vice-presidente de Relações Institucionais da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura de Minas Gerais (AsBEA-MG), integra Conselho Deliberativo do Codese-BH (Conselho de Desenvolvimento Econômico, Sustentável e Estratégico de Belo Horizonte).
Segundo Fernanda, que tem MBA em Gestão de Pessoas e Comportamento Organizacional e atua há mais de 20 anos na gestão projetos, equipes e contratos na área de Arquitetura e Engenharia, “o retrofit surge como uma alternativa para transformar os imóveis tipicamente comerciais e de serviços das regiões centrais em imóveis residenciais”, pois, como explica, “é preciso que as pessoas voltem a morar nos centros urbanos”.
“Ao longo do tempo, propositalmente, a função residencial foi retirada dos nossos centros históricos, para que pudessem se converter em centralidades de negócios, por influência do modelo norte-americano no pós-guerra”, esclarece Fernando, destacando que essas áreas agora “não conseguirão mais sobreviver como centros econômicos, dada a mudança criada pelo trabalho remoto e a consequente mudança nos padrões de deslocamento casa-trabalho”.
A importância do retrofit na revitalização de áreas centrais e a relação de tais práticas com o mercado imobiliário são o assunto desta entrevista que Fernanda concedeu ao site da ABMI. Confira.
O que podemos destacar no Brasil atualmente em termos de revitalização de centros urbanos?
A requalificação de centros urbanos é uma tendência mundial. As grandes cidades estão buscando requalificar seus centros porque já entenderam o alto custo de uma cidade “espraiada”. Se a mancha urbana cresce territorialmente, é preciso crescer também a oferta de serviços e infraestrutura. O que se constata é que estamos colocando o valor urbano em eterno deslocamento.
Ao longo do tempo, propositalmente, a função residencial foi retirada dos nossos centros históricos, para que pudessem se converter em centralidades de negócios, por influência do modelo norte-americano no pós-guerra.
Hoje, não conseguirão mais sobreviver como centros econômicos dada a mudança criada pelo trabalho remoto e a consequente mudança nos padrões de deslocamento casa-trabalho.
E em termos de retrofit, qual panorama podemos traçar?
O retrofit surge como uma alternativa para transformar os imóveis tipicamente comerciais e de serviços das regiões centrais em imóveis residenciais. É preciso que as pessoas voltem a morar nos centros urbanos.
Nesse cenário, é fundamental que a incorporação e o retrofit para fins residenciais sejam incentivados tanto com índices ousados favoráveis, para competir melhor com outros solos, quanto celeridade nos licenciamentos.
Fundamental também oferecer ao mercado imobiliário transferências de direito de construir, operações interligadas, estímulos fiscais, para que se aumentar a oferta, e exigir oferta para rendas estratégicas.
Em quais pontos revitalização e mercado podem caminhar juntos em busca de resultados e requalificação dessas áreas?
O mercado imobiliário precisa entender o custo atrelado ao movimento de se empurrar a urbanidade para fora da cidade. Os terrenos centrais não conseguem mais viabilizar os produtos imobiliários, dessa forma o mercado se move para ilhas de bem-estar isoladas nas bordas urbanas. Na contramão disso, os centros urbanos não têm mais valor. Não há atratividade para o mercado imobiliário.
A resposta que está sendo dada, então, é o incentivo ao retrofit e à incorporação para fins residenciais, tanto com índices ousados favoráveis, para competir melhor com outros solos, quanto celeridade nos licenciamentos.
Especificamente sobre o retrofit, como iniciativas nesse sentido estimuladas junto ao mercado imobiliário?
É preciso políticas públicas. O mercado imobiliário sozinho não dá conta de mudar esse cenário, tampouco o Estado sozinho. É preciso estabelecer um ganha-ganha para voltar a ser interessante investir nos centros urbanos.
Fundamental é oferecer ao mercado imobiliário transferências de direito de construir, operações interligadas, estímulos fiscais, para que se aumente a oferta.
Como integrante de várias entidades, como vê a participação da sociedade civil em questões relacionadas à revitalização de áreas centrais?
Em Belo Horizonte estamos trabalhando, via Codese e via AsBEA-MG na Requalificação da Área Central. Mesmo como sociedade civil temos o papel de orientar e exercitar o planejamento urbano.
A AsBEA-MG é responsável pela coordenação do GT do Centro do Codese. Trata-se de um trabalho voluntário para que possamos reverter o esvaziamento da área central desde a mudança das secretarias de Estado para a cidade administrativa, agravado pela pandemia.
No processo de revitalização de centros urbanos, como compatibilizar aspectos históricos, sociais e econômicos?
Temos centros históricos esvaziados, mesmo com possibilidade de crescimento e adensamento. Falamos muito na função social e afetiva dos imóveis históricos, mas não tratamos da função econômica desse imóvel. Quando se ignora a sustentabilidade do edifício para que ele se mantenha digno terminamos na degradação desse imóvel.
Mas é preciso mais. É preciso articulação e boa vontade de todos os órgãos para reverter esse processo de degradação.
Os centros possuem muitas áreas tombadas ou em processo de tombamento. Temos que abandonar nossas visões apaixonadas e rever o processo de uso para esses imóveis de forma prática.
Precisamos buscar instrumentos financeiros de apoio à reabilitação de prédios históricos e criar parâmetros claros para que esses imóveis possam conviver com o crescimento e densidade nas áreas de requalificação.