Fonte: Imobi Aluguel – 11/10/23

Daniel Fuhro Souto, diretor jurídico da ABMI, é fonte nesta reportagem do Imobi Aluguel, edição 132, que trata das exonerações de garantia no mercado de locação. Confira

Embora seja perfeitamente legal e esteja prevista contratualmente, a exoneração da garantia traz impactos profundos para as imobiliárias que atuam com locação. De modo repentino, as administradoras são obrigadas a correr para negociar uma nova garantia com o inquilino que muitas vezes tem sido um bom pagador e está adimplente. Em último caso, a situação pode redundar em desocupação judicial, um processo quase sempre traumático e desgastante.

E esse cenário tem ocorrido com maior frequência nos últimos 3 a 4 meses no mercado imobiliário brasileiro. Não há números mais precisos à disposição, mas o Imobi Report tem colhido frequentes relatos de uma maior incidência na proporção de contratos exonerados por parte de garantidoras, o que tem causado transtorno para as administradoras de imóveis.

Profissionais do mercado de garantias locatícias confirmaram ao Imobi que vêm percebendo esse aumento recente na quantidade de contratos exonerados.

Nesse episódio do Imobi Aluguel, discutiremos as razões para esse aumento nas exonerações e os procedimentos mais adequados para as imobiliárias que ficam de uma hora pra outra com contratos descobertos.

O contexto

Antes de entrar nas razões para o aumento na quantidade de exonerações, é válido compreender a natureza das garantidoras dentro do mercado de seguros locatícios.

A garantia onerosa oferecida pelas garantidoras se assemelha ao seguro-fiança, com a principal diferença de que não há regulação por um órgão institucional, no caso a Susep (Superintendência de Seguros Privados), autarquia vinculada ao Ministério da Economia que regula todos os produtos de seguro.

A garantia onerosa pode ser resumida como um CNPJ que cobra um valor para prestar fiança a um inquilino. Entretanto, há um risco de que a empresa que presta esse tipo de serviço – e hoje há mais de uma centena no mercado brasileiro – se comprometa a oferecer garantia, ganhe a confiança das imobiliárias e, na hora H, não tenha recursos para quitar os compromissos.

De outro lado, para que um seguro, seja ele qual for, vá ao mercado e chegue no consumidor final, há várias regras impostas pela Susep, e a principal delas é a “reserva técnica” – o valor que a seguradora precisa “guardar” para honrar eventos presentes ou futuros.

“A principal segurança oferecida por uma seguradora é a base que é construída para que seja permitida a venda de um seguro”, aponta Flávio de Baère, CEO da Sigafy, uma das maiores corretoras de seguros imobiliários do País.

Com essa vantagem competitiva, as garantidoras chegaram em peso ao mercado imobiliário, impulsionadas principalmente pela facilidade de aprovação de crédito e pelos preços acessíveis em comparação com o seguro-fiança. Assim, se tornaram o “carro-chefe” para várias imobiliárias quanto à negociação das garantias locatícias.

E como a garantia onerosa é um produto que o inquilino paga de imediato, ela gera receita no curto prazo. Nessa tentação entre vender o máximo para crescer a carteira e aumentar a receita rapidamente, muitas garantidoras venderam garantias a rodo nos últimos anos, aprovando percentuais altíssimos de inquilinos, mesmo aqueles que não tinham perfil de crédito saudável.

Assim, aumentaram seus ganhos exponencialmente. Porém, as maiores despesas vêm no longo prazo, no momento em que chega a inadimplência (problema que é mais comum após os primeiros 12 meses de contrato), ou quando há a rescisão com danos no imóvel. É nessa hora que a garantidora coloca à prova sua capacidade de honrar esses compromissos. Assim, quem aprovou sem critério paga a conta das decisões de crédito mal feitas lá atrás.

“A garantia onerosa é um crédito, no final das contas. A empresa cobra um valor para ser fiadora de alguém. Mas muitas pessoas entraram nesse mercado sem conhecimento, sem saber o quão onerosa é a mediação de um sinistro ou uma desocupação”, afirma Silvano Tucci, CEO da SegImob, plataforma que conecta imobiliárias, seguradoras e corretores de seguros imobiliários.

A exoneração

A exoneração de contrato – quando a garantidora se exime de continuar dando cobertura àquele inquilino – é uma estratégia muitas vezes válida, mas quando adotada com parcimônia e tomada em acordo com os interesses da imobiliária.

Se o inquilino está inadimplente, ou atrasando pagamentos, ou ficou com a renda severamente comprometida ao longo do período de locação, a exoneração é uma ferramenta legítima para promover a desocupação rápida do imóvel – uma vez que a Lei do Inquilinato estabelece que o proprietário pode pedir o despejo por medida liminar quando o contrato está sem garantia, mesmo sem ter havido descumprimento contratual. O prazo habitual para deferimento da liminar nestes casos é de 15 dias.

O problema é quando as exonerações começam a ocorrer em bloco, sem que haja justificativa firme e inquestionável quanto à inviabilidade daquele inquilino.

As razões para o aumento das exonerações

O Imobi Report colheu relatos de imobiliárias, que preferem não se identificar, que ficaram insatisfeitas – para dizer o mínimo – ao receberem dezenas de contratos exonerados nos últimos meses e, assim, se obrigarem a abrir igual número de frentes de negociação com esses inquilinos.

Afinal, por mais que esses clientes estejam negativados conforme a reclassificação feita pelas garantidoras em meio à vigência do contrato, muitas vezes os pagamentos estão sendo feitos regularmente, o que não dá motivo concreto para que seja feita essa exoneração.

A garantidora mais citada pelas imobiliárias ouvidas em relação ao aumento na quantidade de exonerações foi a CredPago, uma das referências na solução da fiança onerosa, adquirida há dois anos pelo grupo Loft.

Questionada pelo Imobi Report, a CredPago negou que tenha registrado aumento no volume de exonerações em sua base de clientes nos últimos meses. A empresa também não respondeu se identificou um aumento na inadimplência dos contratos em sua carteira nos últimos meses, afirmando apenas que “o investimento massivo em ferramentas de análise de crédito e Data Science feitos pela CredPago reduziram drasticamente os eventos de inadimplência ao longo de 2023”.

Porém, outros experientes profissionais do mercado também apontam que tem havido maior uso da ferramenta de exoneração no mercado.

“Estamos percebendo, já há algum tempo, esse movimento das garantidores no que se refere à exoneração nos contratos de locação e, em nossa opinião, isso advém de vários fatores, e a inadimplência é o ponto central”, afirma Flávio de Baère, da Sigafy.

Silvano Tucci, da SegImob, comentou ao Imobi que nos últimos 2 a 3 meses passou a obter relatos de um maior volume de exonerações por parte de garantidoras. Antes, no início do ano, segundo ele, a SegImob começou a ouvir reclamações frequentes de falta de pagamento por parte dessas empresas.

Tucci considera “brilhante” o modelo das garantidoras, mas aponta que muitas vezes há fragilidade contratual sob o ponto de vista das imobiliárias. “Na maioria dos contratos existem várias cláusulas de escape, que permitem à garantidora deixar o contrato no momento em que ela quiser”, observa. “As imobiliárias devem gastar tempo olhando esses contrato, pois é isso que vai ditar o futuro da relação”.

Para Tucci, como parte das garantidoras vive momento financeiro complicado por terem aceitado muita gente com perfil duvidoso lá atrás, essas empresas agora passam por uma correção de rota, reforçando os filtros na aprovação de crédito e ao mesmo tempo “livrando-se” de clientes com maior risco de inadimplência, lançando mão do recurso da exoneração. Tudo para tentar manter a saúde financeira.

O que fazer quando ocorre a exoneração?

Independentemente do momento do mercado e do volume de ocorrências, a exoneração exige uma operação de emergência da imobiliária.

Qual o procedimento mais indicado para a imobiliária lidar com o cliente que ficou sem garantia?

Para Daniel Fuhro Souto, diretor jurídico da ABMI e da Fuhro Souto Imobiliária, de Pelotas (RS), é importante manter um canal de diálogo com a garantidora, para entender as razões da decisão e tentar segurar aquela locação que, até o momento, não vinha trazendo maiores problemas.

“Em muitos casos, as administradoras buscam iniciar a conversa com todos os envolvidos no contrato, especialmente com a garantidora, a fim de entender o caso concreto e possibilitar a eventual revalidação da garantia que seria exonerada, mediante a possibilidade de regularização do locatário com as parcelas devidas à garantidora”, afirma.

Nos casos em que não foi possível mediar a regularização desses débitos entre locatário e garantidora, aponta Fuhro Souto, a alternativa plausível é oferecer a substituição da garantia por outra modalidade, como fiança, seguro fiança ou caução. Em último caso, buscar a propositura do despejo do locatário.

Em tom semelhante, Flávio de Baére sugere fortemente que a imobiliária busque novas garantias, seja um seguro, um título de capitalização ou até mesmo um fiador. “O cliente não tem culpa alguma do movimento feito pela garantidora, uma vez que, normalmente, foi a imobiliária que sugeriu a ele a compra desta garantia”, diz o CEO da Sigafy

Caso o cliente seja omisso na procura por uma nova garantia, a saída menos problemática, na visão de Baère, seria mesmo o despejo por liminar.

Os cuidados ao escolher a garantidora

Por fim, vale a recomendação de escolher cuidadosamente o parceiro de garantia locatícia. Trata-se de um mercado promissor e muito útil às imobiliarias, por permitir agilidade e flexibilidade à jornada da locação – fatores bastante valorizados pelo consumidor atual.

Porém, é necessário avaliar se a empresa trata a etapa das coberturas com rigor similar ao de uma seguradora. É fundamental, em outras palavras, investigar se a garantidora dispõe de patrimônio suficiente para cobrir os riscos assumidos na largada, observar se ela é criteriosa na análise de crédito e se ela estará saudável em médio e longo prazo, quando terá que honrar os pagamentos de inadimplência e demais sinistros.

Por fim, é válido lembrar que não costumam faltar bons inquilinos para bons imóveis. Assim, facilitar demais a entrada do inquilino não é o procedimento mais indicado para a imobiliária. Como o cliente mais estratégico, atualmente, é o proprietário, as administradoras deveriam se preocupar com a captação, com a reputação da marca e com a segurança, para, a partir disso, buscar os parceiros de garantia ou de seguros que estejam alinhados com essas diretrizes.

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