Sob a mediação de Andrea Brognoli, coordenadora do grupo de advogados ligados a empresas associadas da ABMI que se reúne periodicamente de forma online para debater temas de interesse do mercado imobiliário na área jurídica, aconteceu nesta quarta-feira (28/4/21), a partir das 17h, o Fórum Digital Jurídico, que reuniu o desembargador e doutor em Direito, Hamid Bdne Junior, e o advogado Rubens Elias Filho, que tem, entre outras qualificações, 25 anos de experiência na área imobiliária.

Lei do Distrato, garantias locatícias, no que se refere a penhorabilidade e impenhorabilidade, e aplicação do IGP-M nos contratos de locação imobiliária foram os temas debatidos no Fórum Digital Jurídico que a ABMI promoveu, ampliando discussões desenvolvidas no âmbito do grupo de advogados de empresas associadas via WhatsApp e em encontros online semanais.

Grupo de estudos

Andrea Brognoli, diretora jurídica da Brognoli Negócios Imobiliários, de Florianópolis (SC), há 6 anos, depois de ter mantido um escritório de advocacia por mais de 20 anos, é quem coordena o grupo, que reúne advogados de todo o país que atuam nas mais de 50 imobiliárias associadas à ABMI.

Andrea Brognoli, coordenadora do grupo de advogados

Segundo Andrea, a partir de demandas surgidas em encontros da ABMI, a participação dos advogados em eventos da entidade, que era esporádica, foi se intensificando e ganhou corpo no ano passado, com a formação, entre outras iniciativas, de um grupo de WhatsApp, para a troca de experiências sobre questões jurídicas que envolvem o dia a dia das empresas voltadas ao mercado de imóveis.

“Todo mundo começou a contribuir nas discussões e foi crescendo o número de advogados participantes do grupo, bem como a variedade de temas postos em debate. Com o Covid e a utilização cada vez maior de ferramentas de encontros online, acabamos por fazer uma primeira reunião com um tema específico. Todos gostaram e passamos a ter reuniões às terças-feiras para debater questões do momento”, conta Andrea.

Os temas mais complexos, de acordo com Andrea, passaram a ser debatidos por grupos mais reduzidos, mas sem deixar de lado o compartilhamento e a análise de questões mais corriqueiras, o acompanhamento de projetos de lei ou decisões judiciais que de alguma forma tenham impacto sobre o mercado.

Com vistas a analisar e sugerir modelos de parceria com o corretor associado, tanto em vendas quanto em locação, foi criado um subgrupo de estudo incumbido de se aprofundar no assunto. O resultado dos trabalhos desse grupo de estudo deve ser apresentado brevemente, segundo Andrea.

“Não é um material conclusivo, porque o tema tem muitas opiniões diversas, mas vamos fazer um compilado do que foi discutido nesse grupo de estudo e vamos apresentá-lo aos demais. Com sugestões de modelos de contrato, cláusulas relacionadas à LGPD, enfim o que estudo aponta como o mais seguro a ser feito, mas tudo apenas a título de sugestão”, ressalta.

Temas como esse ou até mais polêmicos certamente vão continuar alimentando as discussões do grupo, pois, como analisa Andrea, a área jurídica tem muitas nuances e surpresas.

“O que muda muito na parte jurídica é a interpretação. Às vezes a lei é a mesma, mas cada juiz, dependendo da sua experiência, interpreta de forma diferente”, afirma Andrea, destacando que há também intervenções do Legislativo que trazem apreensão ao mercado, como o projeto de lei que propõe a suspensão das ações de despejo por conta da pandemia.

Distrato durante a pandemia

O Fórum Digital Jurídico, que teve como facilitador Claudino Daniel, foi aberto pelo presidente da ABMI, Márcio Schneider, que apresentou os debatedores convidados, destacando a mediadora do evento, Andrea, por sua atuação como coordenadora do grupo de advogados.

Rubens Elias Filho, Márcio Schneider, Andrea Brognoli e Hamid Bdne Junior

Lembrando que a proposta do Fórum era tratar de temas extremamente relevantes que permeiam a atividade imobiliária, Márcio ressaltou o apoio dado ao grupo de advogados pelo assessor jurídico da ABMI, Rubens Elias Filho. 

A Lei dos Distratos e sua aplicabilidade durante a pandemia foi o tema inicial dos debates. Primeiro a falar, Rubens elogiou a Lei dos Distratos, que nasceu “exatamente por força de uma certa relativização dos contratos de compra e venda, cujas cláusulas de irrevogabilidade e retratabilidade estavam jogadas no lixo”.

Para Rubens, ainda que a pandemia tenha afetado as relações contratuais, quem saiu mais prejudicado foi o mercado incorporador. “A construção civil foi considerada uma atividade essencial. Então sob o ponto de vista do incorporador houve uma questão bastante complicada. Não há um fato que possa ser alegado como impedimento da obrigação que lhe foi atribuída”, afirmou, reforçando que o fluxo de caixa foi certamente afetado diante da impossibilidade de cumprimento das obrigações pelo comprador.

Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, onde integrou as Seções de Direito Privado, tendo atuado na 1ª Câmara de Direito Empresarial, Hamid Bdne Junior avaliou que em grande quantidade de situações, houve modificação de equilíbrio nas relações contratuais.

“A minha impressão é que vamos passar a usar a teoria da onerosidade excessiva do modo que nunca achamos que íamos usar. O Direito brasileiro sempre recusou um pouco a teoria da onerosidade excessiva, muito e corretamente para prestigiar aquilo que constava do contrato. Só que agora temos uma coisa um pouco diferente. Os dois lados da relação contratual, e se pensarmos no distrato isso também se aplica, tanto o empreendedor quanto o consumidor, estão abalados pelo desequilíbrio”, explicou, recomendando que as pendências sejam discutidas e não judicializadas.

“O ideal como todo mundo sabe é que isso se resolva na mesa de negociação, não no Judiciário. E aqui há um argumento pragmático obvio. O juiz é obrigado a decidir. Não necessariamente, se ele for chamado a decidir, vai conseguir fazer as concessões que as partes podem fazer.”

Alta do IGP-M agita mercado de locação

Apontado pela mediadora Andrea como a grande dor de cabeça do segmento imobiliário nos últimos meses, o IGP-M, tradicional índice utilizado contratualmente para o reajuste das locações, foi o segundo tema discutido pelo Fórum.

Embora a Lei do Inquilinato preveja que as partes definem o índice a ser utilizado, a elevação do IGP-M, que chegou à casa dos 30%, causou um susto muito grande, no entender de Andrea, motivando desocupação de imóveis locados e inadimplência.

Para piorar, segundo comentou Andrea na abertura dos debates sobre o tema, a discussão foi parar no Congresso Nacional e “surgiram alguns projetos absurdos, como definição de índices, limitação de cobrança e de despejo”.

Rubens Elias Filho, que entre outras atribuições é presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-SP, enalteceu a Lei do Inquilinato, como uma “lei madura”, que nos seus 30 anos de vigência é amplamente conhecida e regula desde “a relação locatícia de uma quitinete até a de um shopping inteiro”.

“As partes celebram e definem a forma de fixação do aluguel e a forma de reajustamento igualmente. O fato é que agora tivemos o deslocamento de um índice, uma situação casuística que pode acontecer com o IGP-M ou com o IPCA. O que vale é o mercado, quanto o aluguel deve ser cobrado naquele imóvel, naquela localização e o que quer que seja. As partes sempre conseguiram trabalhar isso de uma maneira muito clara. As partes se resolvem”, afirmou Rubens, enfatizando que fica para o Judiciário apenas uma parte residual das demandas, “porque 98% das relações são resolvidas pelas próprias partes”.

Rubens também criticou a ação do Legislativo que, com seu “ativismo”, se apresenta para resolver o problema à base de leis, gerando insegurança e desestímulo às relações locatícias. “Espero que a gente consiga seguir, como fizemos em toda a pandemia, negociando, negociando, e dando solução para um mercado bastante ativo do ganha-ganha, não do perde-perde”.

O presidente da ABMI, nesse ponto, lembrou que a ABMI, com o auxílio do próprio Rubens, está preparando uma nota técnica a ser encaminhada aos congressistas, abordando a questão dos índices e esclarecendo como funciona o mercado imobiliário nesse aspecto.

O desembargador Hamid, que é também mestre e doutor em Direito pela PUC-SP e leciona na Universidade Presbiteriana Mackenzie há mais de 11 anos, se disse plenamente de acordo com o assessor jurídico da ABMI.

“Acho que o caminho é resolver na composição. Mas é preciso lembrar que se não houver composição, o que vai ser feito? Despejo? Não é tão simples assim para o locador nem para o locatário. Eles na verdade não querem desfazer a locação. Quem está no mercado sabe disso melhor do que eu. Então a discussão não é assim tão singela, porque não basta dizer vamos cumprir a lei e o contrato. Mas é importante notar aqui: antes a intervenção do Judiciário do que a do Legislativo. Porque algum equilíbrio sempre acaba acontecendo. Um ou outro vai ficar insatisfeito com isso ou com aquilo, mas faz parte do Estado de Direito o Judiciário desagradar uma das partes. Mas ele vai resolver melhor do que uma lei que indique qual índice utilizar”, concluiu.

Bem de família: penhorável ou não?

O último tema do encontro online foi impenhorabilidade x penhorabilidade do bem de família como garantia locatícia, assunto que voltou à baila no Supremo Tribunal Federal.

“Temos decisões em todos os sentidos e essa inconstância causa uma insegurança muito grande. Até porque normalmente essa argumentação surge no momento da execução. Quando vamos executar uma dívida num contrato de locação, por exemplo, o fiador alega essa questão da impenhorabilidade do bem de família”, comentou Andrea.

Por mais de 15 anos, lembrou Rubens Elias Filho, vivemos “uma situação pacificada no sentido de que o único imóvel do fiador é penhorável, quando se trata de contrato de locação, por força do artigo 7°, do Inciso 3º da 8009/90”.

“Quando a lei é clara cessa a interpretação”, continua Rubens. “Está dito lá que em qualquer situação como essa o imóvel do fiador deve responder pelos débitos locatícios. Isso mesmo após o advento da Emenda Constitucional 26/2000, que introduziu a moradia como direito social.”

O fato, segundo Rubens, é que, após algumas decisões do STF, a questão da impenhorabilidade foi retomada, e entidades representativas do mercado imobiliário, entre as quais a ABMI, como “amicus curiae”, estão empenhadas em demonstrar ao Supremo o quanto essa indefinição afeta o segmento de imóveis, prejudicando a previsibilidade e gerando insegurança. 

Para o desembargador Hamid, no momento “não é hora de ficar discutindo o mérito da lei num sentido ou no outro. O que ela precisa é ter estabilidade. É impossível que as pessoas façam um contrato de locação, onde de manhã se diz que pode e, à tarde, que não pode mais. É preciso estabelecer essa estabilidade”, ponderou.

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