O Supremo Tribunal Federal (STF), em 2/11/22, formou maioria para definir regras para desocupações e despejos, ações que foram suspensas durante a pandemia. Tais regramentos, porém, conforme especialistas ouvidos pelo site da ABMI nada ou pouco interferem no andamento do mercado imobiliário, trazendo até, no caso dos despejos em locação, um certo alívio.

O STF seguiu a decisão do ministro Luís Roberto Barroso, relator da ação, que determinou que os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais criem comissões de conflitos fundiários para analisar casos de reintegração de posse.

Vale ressaltar que as novas regras de transição não serão necessárias nas ações de despejo em locações individuais. Para o ministro Barroso, tais locações estão reguladas em contrato e não têm a mesma complexidade das ocupações coletivas.

Ao longo da pandemia, a partir de uma ação protocolada por um partido político em 2020, Barroso suspendeu desocupações coletivas e despejos enquanto durasse a crise sanitária provocada pela Covid-19.

Nessas comissões a serem formadas, os tribunais devem ouvir previamente representantes das comunidades afetadas, sendo que as remoções devem ser feitas em prazo mínimo razoável para retirar a população envolvida.

Torna-se necessário ainda direcionar pessoas em vulnerabilidade social para abrigos públicos, além de assegurar direito à moradia, ficando proibido separar membros de uma mesma família.

“Um alívio para o mercado”

Para Daniel Fuhro Souto, diretor-jurídico da ABMI, para se analisar a decisão do STF é preciso inicialmente diferenciar despejo de reintegração de posse.

“Despejo sempre será um remédio para retomada de imóvel oriundo de locação, enquanto a reintegração de posse é usada para os casos de ocupação indevida, onde se objetiva a retomada do imóvel. Nesta esteira, de forma objetiva, é preciso dizer, sobre a decisão do ministro Barroso, que as ações de despejo tiveram sua retomada autorizadas porque as locações são reguladas por contrato. Já a inovação se deu para o caso das ações de reintegração de posse, em imóveis indevidamente ocupados, nas chamadas ocupações coletivas”.

Segundo Daniel, “sob a ótica do impacto ao mercado imobiliário, aos locadores e área de locações como um todo, foi um alívio e uma ótima notícia, eis que apartou as ações de despejo oriundas de contratos de locações de imóveis daquelas decorrentes das ocupações indevidas e que são objeto de reintegração de posse.”

Daniel Fuhro Souto, diretor-jurídico da ABMI

“Já sobre as reintegrações de posse”, continua o diretor-jurídico da ABMI, “a decisão trouxe inovação, eis que não há previsão legal para a instalação das chamadas ‘comissões de conflitos fundiários’, o que sempre preocupa sob a ótica da segurança jurídica. Além do que há a pressa dos proprietários de imóveis invadidos na desocupação imediata e, ao menos aparentemente, o Poder Judiciário terá a natural dificuldade temporal para colocar em prática a nova sistemática, que deverá valer inclusive para aqueles casos nos quais já havia decisão judicial de reintegração de posse, antes da suspensão geral oriunda da pandemia. Neste sentido, o impacto ao mercado imobiliário é negativo, pois impõe ao dono do imóvel mais restrições ao exercício pleno do direito de propriedade”.

Ainda de acordo com Daniel, é infundado o temor de que as medidas incentivem novas invasões. “O teor da decisão, em regime de transição, tem alcance tão-somente nos casos de imóveis que já estavam ocupados antes (ou eventualmente durante) a pandemia, não podendo-se imaginar que aparente um ‘incentivo a novas invasões’, sob pena de obtenção de efeito contrário, ou seja, em vez de pacificar, sejam gerados mais conflitos.”

De volta à Lei do Inquilinato

Para o advogado Jaques Bushatsky, presidente da Comissão de Locação e Compartilhamento de Espaços do Ibradim (Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário), o que chamou a atenção nessa quarta decisão, “como sempre muito cautelosa, muito sensível, o que é natural em todas as decisões do ministro Barroso, foi um certo silêncio acerca dos direitos dos proprietários, os donos das terras invadidas, que, afinal têm o direito constitucional, consolidado no Código Civil. Ninguém nega esse direito. Existe uma legislação processual que tem de ser obedecida e pelo jeito foi obedecida quando propuseram as ações de reintegração, e agora está tudo suspenso. Então esse é o primeiro ponto que eu coloco como reflexão”.

Um outro ponto levantado por Jaques diz respeito às câmaras de conciliação.

“Essas câmaras de mediação são uma ótima ideia, ninguém nega. Entretanto, é difícil acreditar que elas vão existir. E por que que digo isso? Porque desde 2016 está no nosso Código de Processo Civil a necessidade de uma audiência de conciliação. E há milhares de decisões dizendo que não vão acontecer essas audiências, por falta de estrutura, por falta de gente, por falta de meios para o Judiciário fazer isso. Acho esquisito de repente o Judiciário conseguir fazer isso se não vem conseguindo há seis anos. A segunda razão, no que diz respeito às mediações, é que elas me parecem um tanto quanto intempestivas, especialmente naqueles casos em que já houve decisão determinando a reintegração. Quer dizer, já tem decisão e ainda vai se tentar mediar? É complicado, afinal um dos lados já tem uma decisão a favor dele.”

Jaques Bushatsky, presidente da Comissão de Locação e Compartilhamento de Espaços do Ibradim

O advogado destaca ainda que mediação, em essência, não é obrigação. “Ela não tem de chegar a um fim determinado. Ela pode simplesmente acabar, e isso também é um fim da mediação, e não haver o acordo, não haver o consenso. Ora, se fosse possível algum consenso, considerando que essas ações já estão aí há um ano e meio, dois anos, já teria havido. É isso que diz a prática. Então não estou acreditando muito na realização, no resultado esperado da mediação, tendo em vista os fatores que elenquei”.

Por fim, o presidente do Ibradim, elogia dois pontos na decisão. O primeiro seria o fato de se estar suprindo uma falha do Legislativo. “Muito antes, não nessa, mas na anterior, o ministro incentivou o Congresso Nacional a editar leis que regulassem melhor a situação. Não tenho notícia de que algo tenha sido apresentado desde aquela lei de 2021”.

O segundo ponto, de acordo com Jaques, é que “voltamos a ficar às boas com relação aos despejos. Acabou a suspensão dos despejos, mesmo naquelas pequenas situações tratadas originariamente na lei, que deveria ter terminado em dezembro de 2021, veio sendo prorrogada, agora acabou. O que significa o privilégio de voltar a vigorar a Lei do Inquilinato, que há 30 anos dá certo. Há 30 anos ela pacifica o mercado, vem funcionando perfeitamente, tanto é que raríssimas foram as suas alterações, e não tinha por que quebrar a segurança jurídica e social que ela outorgava. Esse foi um ponto belíssimo da decisão”, conclui.

Momento político contaminou

No entender do corretor de imóveis Diego Henrique Gama, diretor-secretário no Conselho Regional de Corretores de Imóveis do Distrito Federal (Creci 8ª Região), a polêmica criada em torno das regras envolvendo a questão da reintegração de posse foi resultado da contaminação do momento eleitoral vivido pelo país.

Diego Henrique Gama, diretor-secretário do Creci-DF

O impacto emocional, segundo ele, se sobrepôs ao racional, criando para alguns algo “semelhante à criança que fica no escuro, tem medo, vê uma toalha e acha que é um bicho”.

“O assunto entrou na ordem do dia a partir do debate que antecedeu a Lei 14.2016/2021, que suspendeu despejos, e as desocupações coletivas, no caso de ocupações de áreas públicas e particulares, para não vulnerar ainda mais a situação da pandemia, gerando movimento excessivo de pessoas.”

“Essa derradeira decisão deveria ser mais comemorada do que discutida pelo mercado, porque restabelece a possibilidade de se fazer despejos sob qualquer hipótese, bem como de se retomar áreas que foram ocupadas coletivamente por movimentos quaisquer”, afirma Diego, destacando que tais áreas na maioria das vezes são públicas.

A reintegração de posse, lembra Diego, já traz consigo todo um aparato do Estado para se viabilizar, “porque normalmente você depara com crianças, com pessoas vulneráveis, que precisam ser alocadas, então sempre a defensoria pública participa, o pessoal ligado aos direitos humanos participa. Esse alarmismo talvez seja de quem não tem a vivência do Direito do dia a dia. A decisão não é negativa, é uma decisão que não tem qualquer relação de cunho político”, finaliza Diego, que também é advogado.

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